Antes que a chuva aperte e esqueçamos o suor do carnaval segue a série sobre o carnaval poético da fronteira.
O Festival de Músicas para o Carnaval a partir da década passada ganhou uma nova nomeclatura, com o nome do poeta Apparicio Silva Rillo. Um dos criadores do grupo Os Angueras e do Festival da Barranca sempre teve seu nome ligado intimamente ao tradicionalismo, mas foi as suas letras nos carnavais que se percebeu a abrangência da poesia de Rillo.
Poesia que também é sentida no samba “Dia-a-dia” de Eugênio Dutra que em 1983 com o grupo Pixinguinha concorreu com a transcrição do carnaval...vou esquecer do salário e do patrão. Vale destacar a citação à Maria do Carmo, mais uma santa popular que é freqüentemente encontrada nas cidades gaúchas.
Acompanhando a ressaca da finaleira do carnaval, assim como o confete sendo varrido pela limpeza, os Insólitos também querem pintar o nariz e ser feliz!
Todo mundo tem uma história de carnaval para contar, alguma experiência que remonta algum fevereiro e a folia. E é impossível lembrar do carnaval e não pensar em música, e foi através da música que comecei a compreender o carnaval e sua poesia.
Foi na fronteira-oeste do Estado, no quintal da minha casa ou na casa de amigos da família que ouvia maestros ensaiando instrumentos de sopros, poetas rabiscando as melhores palavras e instrumentistas esticando o couro para a batucada.
Há quarenta e três anos São Borja realiza o Festival Regional de Músicas para o Carnaval Apparício Silva Rillo, uma tradição que contradiz o Tradicionalismo e a sua instituição criada que abafou outras expressões culturais no Rio Grande do Sul.
Na beira do rio Uruguai são escolhidos as melhores músicas nas categorias Samba e Marcha, gêneros musicais que o festival manteve apesar da onda do pagode e pela “extinção” da marcha de carnaval.
Abro uma série nesse insólito blog trazendo um pouco da produção significativa vinda da fronteira com confete, poesia e boa música. Privilegiando, como de praxe nesse espaço virtual, a palavra e a diversidade.
O samba como legítimo ritmo brasileiro sempre teve em suas letras uma inspiração no cotidiano, característica que se formou através das mãos de Noel Rosa e Ismael Silva. E é desse cotidiano que vem a inspiração para o samba “Dia-a-dia” de Clemar Dias e Júlio Cruz que foi defendido pelo Grupo Pixinguinha em 1983, e se tornou uma das grandes músicas do festival.
Leia e escute!
Realização
(Clemar Dias e Julio Cruz )
Sempre foi seu maior sonho
Sofri pra realizar
Com salário de operário
Comprei todo esse vestuário
Pus você pra desfilar
Ela é mulher bonita
Transformada em esplendor.
Esse pobre diarista
Disfarçado de sambista
A espera do seu amor.
Sorria, meu amor
É seu momento
Existe um mundo novo a lhe esperar.
Pois saiba
Que ao pisar na passarela
Seu sonho de Cinderela
Irá se concretizar
Na passarela, meu amor, sorria
Que o seu sonho lindo
Virou poesia.
Definitivamente fechando a (pseudo)série "Tentativas Poéticas", tirei do fundo do baú a primeira do ciclo. Já não tenho certeza da época, mas foi rabiscada entre 2004 e 2006, numa fase fervorosa de "eu quero ser Castro Alves!". O pior é que tenho um carinho por esses versos, embora juntando tudo não valha mais que 2 pilas (se bem que nesses dias de calor já dá um picolé). Sem mais delongas aí está. Depois dessas linhas, os próximos posts trarão as "Tentativas Patéticas" (para alegria geral, bem menos pretensiosas e bem mais debochadas). Au revoir!
Roteiro
Injustiça de homens hipócritas De um mundo omisso e sem memória De séculos de sangue para se fazer glória Com repetidas histórias de lúcidas loucuras De velhos erros Forjados em mentiras puras. Destinos incertos traçados na certeza de um passado Que é sempre presente De medo constante, latente Do sofrimento por costume E mórbida esperança como alimento, Enganando a morte e dando sustento Na trajetória em direção ao fim No acalento das luta diária. Vida se perde pelo caminho...
Novo cenário, novos personagens Mas o epílogo é sempre o mesmo Quer sórdido autor Repugnante! Como quem manipula coadjuvantes Atalhando vidas sem piedade alguma, Estupidamente... Uma a uma Cumpre seu papel. Já acostumado com a crueldade Apenas fazendo uma vontade Da falta de escrúpulos e da vaidade Daquele que não se importa Se a felicidade jaz Morta Se sucumbem sonhos e futuro Se há atrás de altos muros Almas cansadas do atroz dia-a-dia Inertes na companheira agonia De uma guerra sem vencedor Apenas com heranças de ódio Os escombros e a dor
Cicatrizes da batalha Navalha que fere a alma E dilacera o futuro Transforma luz do túnel Em escuro! Eis o legado... Vê a lágrima no olhar do soldado? Ele morre um pouco com aquele que mata Diminuindo tempo, vida, sonhos... Fica nada Apenas mais uma página Destinada a ser em breve esquecida Corroída pelo banal da própria vida.
Por A. SchArr (e perder e reencontrar)
Roteiro - a primeira, para o fim das "Tentativas Poéticas"
3 criaturas aqui compartilhando ideias e sentimentos. Com a participação, vez por outra, daqueles que lhe são caros, ou melhor, Ilustres!
O assunto?! Ora, tudo aquilo que se equilibrar na linha tênue em que se encontram o jornalismo, a literatura e todas as formas de arte. Sem limitações ou determinismos.