19 de jul. de 2010

Notificações nada urgentes de um início extremamente desgastado


Foto: João Bizarro Nave Fillho, 1966 

Já vai chegar Outubro. Em outubro faz um ano que um trio de dementes resolveu criar esta maravilha de blog-só-de-dois. O trio, embora muitos já saibam, é composto sem meias notas pela insólita-dupla-maravilhosamente-artística, da fotógrafa-poeta e do escritor-músico, e da auto-renegada-escondia-sem-criatividade, que, um ano depois, resolveu explicar-nos a sua história.


Quando ela nasceu, um anjo torto, daqueles que não tocavam trombetas, mandou um grilo falante roubar a sua criatividade. Toda a sua arte foi roubada num piscar de olhos. Ela nunca soube pintar. Os violões arrebentavam suas cordas quando ela tentava segurá-los. A caixinha-de-fósforo, coitada, ainda sente vontade de queimar-se toda quando ela tenta um sambinha. O cantar, desaparecido até hoje, decidimos suprimir dessa história para a preservação da imagem de nossa fonte, que de tão bom coração e tão pouco tempo emprestou-nos seu relato.

E a menina andou anos atrás do grilo. Conhecendo os sete-mares, soube, pela sua amiga baleia, que o filho do velho Gepeto andava por ai a fazer bobagens com o Grilo do Anjo Torto, o verdadeiro nome do famoso Grilho Falante. E andando pela terra ela encontrou o velho, que de tristeza morrera sozinho e sem-filho. E de tanta tristeza de ver aquela cena, a menina, que já era moça, revoltou-se em chama. Seu coração ardeu tanto que ela andou por nove anos a procurar o grilo ladrão e o menino perdido. 

Quando achou-os, eles andavam como burros em uma ilha só de meninos, liderados por adultos-ridículos-vestidos-de-crianças-porque-não-superaram-o-complexo-de-édipo-e-por-isso-tem-medo-de-amadurecer. A moça lutou sozinha, armada com a chama da tristeza, contra o líder verde deles, que era muito amigo do grilo que roubou o menino do Gepeto e a sua arte. Mas eram muitos meninos-adultos... Tantos e tantos que ela não pode vencer. Exausta, a sua única saída era pular em um barco-de-nuvem e fugir para sempre sem a sua arte roubada pelo grilo. Mas ela não fugiu de mãos vazias... Enrolado na nuvem ela colocou o menino-perdido.

Mesmo com vontade de transformar o menino em lenha, por ter abandonado o velho pai, ela levou-o para encontrar-se com o corpo sem vida, que ainda não estava decomposto, porque até os vermes que lhe comeriam a carne sentiam pena pelo querido velho. O menino chorou tanto que a chama da menina se apagou e ela ficou sem raiva e sem forças. E em pouco tempo a madeira do menino apodreceu. Sem chamas para queimá-los da dor, a moça disse aos vermes:

- Comam-os com esperança e transformem-os em terra.

E assim os vermes fizeram.


E da esperança dos vermes nasceu uma terra azul. E da terra azul nasceu um velho sorridente e um menino de sangue. E vendo aquela cena a menina transbordou em beleza. E a beleza saiu de dentro de suas orelhas, de sua boca e de seu nariz, espalhando-se pela terra e alimentando os vermes.Naquele instante, ela perdoou o grilo e decidiu seguir, mesmo sem o dom da arte que lhe foi roubado. E ela ficou vagando por muito tempo, ocupando-se do concreto e trabalhando até ficar sem horas.


Porém, ela nos contou que, recentemente, recebeu por correspondência uma caixinha com a assinatura do menino.  Dentro da caixinha havia um bolo feito por Gepeto. Cheirava como recém-saído-do-forno e ainda parecia estar quentinho por dentro. Quando ela mordeu o bolinho ele transformou-se em palavra e a palavra ela engoliu.
 
Nós soubemos de tudo isso quando ligamos para ela falando que já ia chegar Outubro. Quando ela terminou de contar a história perguntamos:

- Vai esperar completar um ano para começar a escrever?

E ela respondeu:

- Não mesmo. Já digeri a palavra.


(As pessoas da Sala de Jantar)


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2 comentários:

Ah Há! disse...

Se eu choro, não consigo ler. Além da vista, os óculos embaçam...

A menina fotocópia-pateta manda dizer que foi o presente mais bonito que já ganhou de Dia do Amigo.

...e que ama o escavador-molusco e a algo-remendada-escrevia-com-vontade.

Também acredita que formam o trio mais imune contra o inócuo frio!

(vida longa!... à rainha (de copas), à Alice e ao chapeleiro maluco!)

Anônimo disse...

assim como era no princípio, agora e sempre...

Mande servir a janta!