17 de jan. de 2011

Acalanto


A roda de amigos fugia por si.

Um trajando sandálias e com os calcanhares à mostra, e outro com palavras cheirando manhã. As mulheres da mesa se diziam as mesmas, mas uma era calafrio e suor e a outra era elemento perdido pelas mãos.

Aquela que tocava o frio não olhava para os lados, nem encarava o garçom. Ela olhava o telefone e se desculpava com as sobrancelhas. O rapaz ao seu lado, percebendo o instante de reflexões descobre os desagrados da moça. Ela não compreendera como pode deixar de gostar do passado e de repreender o futuro. Que ali estavam representados pela foto do último amor do rapaz.

O rapaz com os calcanhares sangrando levanta a sua justificativa com os pés e mãos firmes pelo balanço de sua bebida. O distúrbio já está feito, a confusão está abraçada com a serenidade. Vale constar que na última noite a mulher de mãos abertas soube fatiar as camadas de felicidade e se redimir com doações ao seu parceiro, que mesmo encurralado em suas pernas não soube ser pulsão e apontou com o dedo o canal fechado pelos pecados e pudores.

Assim estão todos. Perdidos em pudores lúcidos e pecados católicos. Como se o que valesse fosse a culpa!

O garçom retorna com os pedidos.

A dose foi pequena para quem precisava encarar mais horas de conversa e fatos. Um desperdício de tempo, pois todos queriam a realidade simples e criadora de problemas. Mesa e copos estão atirados e ninguém mais recupera a sobriedade.

Depois...em cada cama...ninguém sonhará com as mensagens lidas, as mentiras forçadas e o espanto fingido.

Eles continuam gostando de mentir com verdades.


Por Guilherme Cruz


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12 de jan. de 2011

Anormal é tu!

Aúdios produzidos para o documentário (A)Normal, realizado no segundo semestre de 2009.


Texto: colagem de Guilherme Cruz
Vozes: Fernanda Costa e Amanda SchArr




Texto: colagem de Guilherme Cruz
Voz: Amanda SchArr
Música: Tô, de Tom Zé e Elton Medeiros / Disco: Estudando o Samba (1975)


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10 de jan. de 2011

Luara,






Moça saída,
largada na vida,
presa nas ruas,
faz da liberdade nua,
sua profissão.

Mulher de todas as idades,
vive as infelicidades
de homens infelizes.
Amantes que não amam,
compram seu amor.

Moça de noites intensas,
do amor mercante,
da vida bem dita,
mal escrita,
mal lida.


Por Armando de Arruda, 
um Ilustre ilustríssimo




 
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16 de nov. de 2010

suspirarinfância

um poema para crianças (ou não)



Eis que o ônibus me espera
Me espera o taxi, o trânsito

Me espera a cadeira, o computador, o trabalho
O curso, a aula, o professor, a colega
A lingüística-aplicada-ao-ensino-de-todas-as-línguas
O pão-de-queijo, o intervalo, o telefone, a foto-cópia, a geladeira, a [escada]

A meia-noite, o jantar, a madrugada
O e-mail principal, o e-mail institucional, o e-mail anárquico, o e-mail [secreto, o e-mail escondido, o e-mail popular e o e-mail da senha esquecida]

Me esperam todos os livros da prateleira, a conta do banco, a conta [de luz]
Me esperam os filmes, os meus, os emprestados e os da locadora

Me esperam os artigos, o professor pesquisador, a torcida de futebol, [as amigas de infância, os cafés da tarde, o cabeleireiro, a professora de inglês abandonada, o curso de violão mal-iniciado, a pele]
A fala!

Os CDs, os documentários, os projetos, as idéias, os SONHOS

Me esperam

respirar

Porque o que eu espero já terminou (no mar)
dessa vida
Vou pingar no céu, de saudade.



Por Gal.

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EU!


Eu que tanto corro, 
quero atravessar o tempo sem pressa.

Eu que acredito na liberdade,
desejo proibir tantas coisas.

Eu que vivo um porre sem embriaguez,
confuso numa lucidez insana,
que cobra de mim
o que não me foi ensinado.

Eu que tenho um corpo
e um espírito,
que caminham em pleno descompasso.

Eu que suporto uma consciência ingrata,
que me sonega direitos
e aponta deveres sem cessar.

Mas eu, que tenho um espírito traquino,
que me incita à rebeldia,
travessamente escondi dentro do peito,
o meu direito de amar!

Eu?


Por Armando de Arruda, um Ilustre ilustríssimo!
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1 de nov. de 2010

NOITES GUARDADAS



Nessa última noite tive a oportunidade de conhecer elefantes suaves, leves e delicados por natureza. Os seus roncos eram mais graves que o normal, as suas trombas eram limpas e afinadas. E eles cantavam e andavam sonoramente por entre carros, carroças e totalmente desamparados por aquela última noite.

Mas, como bons elefantes sempre andavam em bandos, com um andar lento e sem objetivo. Na realidade a única coisa que me lembrava de que eram elefantes, eram as pegadas, aquelas profundezas que se abriam na terra quando eles passavam. Se fossem touros eu chamaria de covas, mas, já que são elefantes, não passam simplesmente de buracos para um controle sanitário.

Nessa última noite pude retornar em várias manhãs, pois a cada passo alarmado do elefante-guia eu me rendia aos pensamentos que já não são tão meus. No som lúdico que ouvia eu afirmava que todos os defeitos estavam armados para qualquer chance de amor. Eu não queria me render, mas a cada pisada de meus amigos elefantes eu me despia e ficava indefeso. O segredo que eu guardei nas enormes orelhas do acinzentado mamífero era de um dia poder indagar verdades que nem sei se existem... Ou é só mesmo medo – o pressentimento de um “tempo ansiado de se ter felicidade” (se é felicidade que tu buscas).

Estou me sentido dentro dessa fila, naquela simbologia de uma fila indiana protegido pelos mais fortes. Aqui, entre a tromba de um e o rabo do outro estou isolado. Nessa última noite pude fechar os olhos para ter a ti, ao som único de algumas elefantas, doces e tão anedóticas com confetes, que quando passavam pintavam o seu nome em mim.

No desfecho dessa última noite espero ser surpreendido com alguma mensagem que me faça levantar no outro mês. A noite última dessa semana passa por mim como aqueles elefantes sonoros e mudos aguardando a próxima manhã, aguardando o teu veredicto.

O tempo é o guardião dessa noite e por ser a última se despede...mas o que dizer daquele pobre elefante que resolveu sair da trilha, e seguir na estrada sozinho?

Por Guilherme Cruz


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25 de out. de 2010

Carta fraterna



Hoje colhi amoras no quintal
Fez sol. Lembrei que há anos disse que faria as malas,
extravasaria as salas, 
mas fiquei.


Pensei que talvez, aí o céu não esteja tão azul
Mais ao sul os tempos até são bons
Agora, mando nas minhas cores,
ao meu gosto misturo tons.


Ainda há muito exagero,
mas este apego aos extremos
é um mal que já não temo.
É preciso viver, isso é tudo.


Faltam respostas
são questões diversas 
que me repartem em postas
Muito embora,
nunca houve porque me arrepender.


Quando vou?
É outubro ainda,
enquanto o ano não finda
passo fundo tá pra mim.


Mas logo será
ou tudo, ou nada.
Prometo, 
enviar notícias seladas
e fotografias de cartão postal.


As mochilas vão ser leves,
sem muito step.
Só uma muda
de roupa,
de amora.


Se chover na capital,
quando o céu ficar so down
Mana,
lembra sempre:
amor há.

Por A. SchArr
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10 de out. de 2010

Domingo escrito (vermelho) com pouca luz



Um dedo amassado
na porta da camionete Ford 77
Pinga vermelho pelas escadas
Subida doída
Tardo domingo nos pingos

Indica dor
a ponta do dedo aberta
Janela desperta
enquanto os meninos vizinhos
na sacada, brincam de cabra-cega

Pendentes fatos e fotos
Afasta a dor lembrando
um quase amor comunista
Meia quadra adiante,
tijolos à vista.
Taças, trilhas e tiras

Latente pulsa a pele
moída ao redor da unha
Lenço encarnado
tapando a ferida.
Anular aperta uma tecla.
Cerra a janela

Escreve com baixa luz
Os devaneios devassos da autora
contidos no ralo espaço.
Procurar o foco,
beber do quadro

Retratar a intimidade alheia
com pouca tinta
Enquanto o dedo pinta
tenta uma ponte
Entre a ficção e a vida


Por Amanda SchArr

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